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Sob pressão: Profissionais da saúde lidam com medo e exaustão emocional no combate ao coronavírus

Vitoria Rios
5 min readMay 12, 2021

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Por: shayévilin Santana e Vitoria Rios

Além de estarem expostos à Covid-19, que já provocou o afastamento de mais de 7 mil deles, esses profissionais também têm que lidar com o estresse e a sobrecarga de trabalho.

Os profissionais da saúde têm enfrentado o inimigo de perto. Nos números do Conselho Federal de Enfermagem, sem contar com os médicos, 860 mil profissionais da saúde atuam em hospitais, unidades básicas e avançadas de saúde em todo o país.

O novo coronavírus já provocou mais de 7 mil afastamentos do trabalho. Só nos serviços de enfermagem, 83 pessoas já morreram por causa da doença. Entre as queixas dos profissionais da saúde, está a falta de estrutura. Mas o medo, as longas jornadas de trabalho e a grande pressão também atingem em cheio quem está na linha de frente do combate à Covid-19.

Diego Leal, de 32 anos, trabalha na Unidade de Pronto Atendimento de Uruguaiana — RS e no Centro de Triagem de Covid desde o início da pandemia. Prestes a completar um ano trabalhando na linha de frente do combate à Covid-19, o enfermeiro Diego Leal, não esconde o cansaço diante da rotina pesada. Ele explica que, com isso, acaba ouvindo muitos relatos e percebe que o cansaço é generalizado — especialmente agora, quando o Brasil vive o pior momento da pandemia.

“É bem complicado, é um processo emocional bastante intenso, em que é nítido o cansaço. Muitas vezes encontrei colegas chorando, muito abalados com o desgaste físico e estresse mental em um pico elevado, que acaba tomando conta, causando dificuldades no trabalho e consequentemente uma necessidade muito grande de pedir afastamento.”

O início

A atuação de enfermeiros e enfermeiras que estão na linha de frente contra o covid-19 tem sido essencial. Apesar de fazerem parte de uma equipe composta por médicos e agentes, a jornada de trabalho do grupo da enfermagem tem sido exaustiva, a cada variante nova é preciso se readaptar, tem sido assim desde o começo.

“A pandemia acabou desconfigurando tudo, tivemos que nos adaptar a várias coisas, a UPA é a porta de entrada para os pacientes. Uma demanda incrivelmente grande, gente nova toda hora chegando, gente indo para a emergência porque os leitos de UTI do hospital estão lotados. A gente está fazendo literalmente aqui uma manobra sobrenatural. Está bem complicado”, desabafa Leal sobre o trabalho na Upa de Uruguaiana.

Com o início da pandemia, houve uma valorização da enfermagem como profissão, mas como contraponto também trouxe uma sobrecarga muito maior sobre quem exerce essa profissão atualmente. Sem saber muito sobre esse vírus, a população acabou se desesperando, aumentando a procura por hospitais e por mantimentos, o que fez com que a covid-19 se propagasse cada vez mais. Com essa realidade desesperadora, quem mais sofreu no início foram os profissionais de saúde, que, sem conhecimento nenhum, tiveram que manter o corpo em pé e a mente sã, para poderem dar um atendimento de qualidade para cada paciente que chegava até eles.

A rotina com familiares

Após terem contato com muitos pacientes de covid-19, muitos profissionais temem contrair o vírus e passar para seus familiares.

“ O medo maior é com os familiares, fazerem eles correrem o risco de uma possível contaminação. A gente tá nisso de ajudar as pessoas, tá ali exposto, mas com os familiares a preocupação e o medo de expor eles a uma situação dessa é constante”, relata Leal.

Essa temida exposição tem feito com que muitos profissionais se isolem e fiquem longe das suas famílias durante muito tempo, descuido nesse momento não existe nessa profissão, prezar pelos seus é abrir mão de passar datas comemorativas com pessoas que faziam parte da sua rotina, para não correr o risco de um possível contágio ou perda. Ficar longe de quem se ama hoje também é um ato de amor, prezar pela vida do outro mesmo que ele faça falta diariamente é ter cuidado, se ver nessa situação em tempos normais já é difícil, imagina em tempos em que só um abraço pode curar a dor da perda de mais de 400 mil pessoas.

Gustavo Gilson, enfermeiro de 37 anos que atua diretamente contra a covid-19 na UPA da cidade de Itajaí-SC, sabe bem como é ficar longe da família.

“ Meu pai tem 67 anos, então mantenho todos os protocolos de distanciamento. Faz uns 3 ou 4 meses que eu não falava com ele pessoalmente, contato mesmo só pela internet e a gente mora na mesma cidade. O cuidado é redobrado tem que ser, é o maior desafio até aqui, lidar com a sobrecarga todos os dias não só do trabalho, porque ele está intenso desde o início da pandemia, mas também com o cansaço pelo período. Já somamos um ano, e a gente ainda vê os números aumentando. Aumenta o número de casos, número de óbitos estourando recorde todos os dias, é cada dia mais cansativo.”

O cansaço mental

Essa falta de afeto tem deixado tudo mais exaustivo, estar longe de quem antes fazia parte do seu dia, é não ter para onde correr. Estima- se que até 2030 haja um déficit mundial de 9 milhões de profissionais de enfermagem, essa desistência nos traz uma realidade muito triste. Em tempos normais já existia uma porcentagem alta de enfermeiros e enfermeiras que deixaram suas profissões devido ao descaso de uma forma geral na administração com a saúde brasileira, tornando tudo mais difícil nesse cenário em que os plantões têm sido mais longos e a morte cada vez mais presente. É impossível não ter o psicológico abalado, vivenciando situações extremas todos os dias.

A enfermeira Andressa Rios, de 30 anos, que trabalha na imunização em Balneário Camboriú-SC, enfatiza o quanto é difícil lidar com o cansaço e a ausência de enfermeiros, não só agora, mas no passado também.

“ A enfermagem em si, ela sempre trabalhou no limite da sobrecarga, então a enfermagem hoje no Brasil atua com um quantitativo inferior de pessoas para estar desenvolvendo o trabalho. Com a pandemia isso só se agravou mais ainda, porque a gente tem os afastamentos e também o grande volume de trabalho, que aumentou.”

A irresponsabilidade e o descuido, faz com que esse período se torne cada vez mais difícil para esses profissionais. Jornadas longas e exaustivas trazem o desânimo e a vontade de desistir; ouvir reclamações da população, ser ofendido por tentar fazer seu trabalho da melhor forma possível tem sido desesperador. Chegar para trabalhar e se deparar com a morte nunca será normal ou se tornará rotina, por isso um carinho da forma mais simples, um agradecimento e um sorriso tem feito com que a palavra desistir não exista para eles. Usar máscara, ficar em casa e não se aglomerar é um ato de amor e de respeito por aqueles que cuidam de nós.

A sensação de impotência é ainda maior diante da negligência dos cuidados da doença.

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Vitoria Rios

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Pampa Unipampa